Em 2018, vivemos no Brasil uma grande crise financeira e social gerada por uma das principais categorias de profissionais brasileiros: os caminhoneiros. Embora tenha sido um evento de grandes proporções, que atingiu direta ou indiretamente todas as famílias do Brasil, minha família foi atingida de uma forma especial, que nunca será esquecida.
Durante o ano de 2018, minha esposa cursava o último ano de nutrição na Universidade de Taubaté-SP. Na época morávamos em Cruzeiro-SP. São quase 100 kms de distância. Mesmo pela Rodovia Presidente Dutra, uma das melhores do país, a viagem era longa e cansativa.
Nos anos anteriores ela havia percorrido de van diariamente este trajeto, afim de realizar o curso. Todas as noites ia e voltava. Porém, neste último ano, o curso mudou para o período da manhã devido ao estágio. Tínhamos poucas opções: mudar para Taubaté, ela ir de ônibus ou a opção que escolhemos, realizar o percurso diário, comigo levando ela todos os dias para a faculdade.
Aviso: crianças, não tentem isto em casa! Levar sua esposa diariamente para a faculdade, junto das amigas dela, percorrendo um trajeto de ida e volta de quase 200 kms, com pedágio, não é algo inteligente a se fazer. Nem para sua saúde, nem para suas finanças.
Então, você deve estar se perguntando: por que você fez isso Marco? A resposta é simples: ordem de Deus.
De fato, eu gosto muito de dirigir. Especialmente longos percursos. Porém, foi apenas depois de uma inspiração divina no início daquele ano que resolvi encarar o desafio. Importante notar que naquela época, minha empresa de cursos online tinha acabado de entrar em falência, estávamos quase sem renda e endividados. No entanto, pela fé Nele, resolvemos seguir em frente.
A seguir começou uma experiência de um ano, com muitos altos e baixos, mas que concorreram para nosso bem e de outras pessoas. Em meio a essas viagens, fomos pegos de surpresa pela greve. Inicialmente não parecia importante, mas a coisa foi ganhando corpo a uma velocidade incrível.
Sem mais demoras, vamos às lições.
Lição 1 – As redes sociais são verdadeiros catalisadores sociais
A greve em sí não deveria ter sido tão grave para o país. Porém duas razões ao meu ver levaram ela a gerar uma grande crise: a primeira sem dúvida foi o bloqueio das estradas, e consequentemente da circulação de mercadorias em todo território nacional. Essa causa foi resolvida graças à intervenção do Exército Brasileiro, que pude testemunhar, agiu de forma ordenada e respeitosa, liberando as estradas juntamente com a Polícia Rodoviária Federal.
Entretanto, o que acontecia nas redes sociais, especialmente no WhatsApp, ao meu ver, foi o grande responsável pela greve ter crescido tão rápido e gerado uma crise. Veja bem, não é impossível mobilizar um grande grupo de profissionais nos dias de hoje. Aliás é exatamente esta a função dos sindicatos e associações.
Porém no caso dos caminhoneiros, as organizações civis foram substituídas por lideranças pessoais, que comandavam seus grupos pelas redes sociais, especialmente grupos de WhatsApp.
Isso foi impressionante de ser ver. Praticamente todos recebiam em tempo real as ideias e ordens de seus líderes. Mas não foi legal nem justo com a sociedade. Essa capacidade toda de mobilização e revolta (no final me parecia mais revolta que greve) não levou a grandes resultados positivos.
Após essa crise, mudei minha visão sobre o monitoramento de redes sociais por parte do governo. É claro que sou a favor da comunicação privada, porém algumas situações de pertubação social poderiam ser amenizadas brutalmente, e até evitadas, se os governos tivessem como controlar de alguma forma essa poderosa, mas nem sempre inteligente, mobilização por redes sociais.
Por outro lado, presenciamos cenas espetaculares de partilha e colaboração, motivadas pelas próprias redes sociais. Pessoas em todas as cidades na margem da rodovia levando alimentos para os motoristas que estavam presos devido a greve.
Em um determinado ponto, pude presenciar manifestantes (que no final da greve mais pareciam vítimas), moradores, polícia e exército, todos conversando e se ajudando. Foi um dos maiores exemplos de solidariedade que presenciei. O brasileiro realmente é um povo pacífico, isso deve agradar a Deus.
Lição 2 – Algumas pessoas perdem a razão e se desesperam rapidamente em crises
Essa lição parece meio óbvia, porém, existe uma enorme diferença entre ler e estudar o comportamento das pessoas em tempos de crise e conviver com essas pessoas.
Pouco antes da greve, avisei minha esposa que teríamos que abastecer a casa e o carro, pois provavelmente haveria correria a supermercados e postos de gasolina. Qualquer pessoa normal pode prever esse tipo de comportamento.
Agora, é uma experiência totalmente diferente você estar em uma fila de mais de 100 carros para abastecer, sedo que muitos nem precisam do combustível naquele momento. Ou ver pessoas colocando enormes quantidades do mesmo produto em seus carrinhos de supermercado, como se não houvesse amanhã.
Ver pessoas se desesperando porque ficarão sem a moto ou o carro devido a falta de combustível, me fez refletir sobre como o amar o próximo como a si mesmo, aquilo que Jesus nos ensina, é tão difícil de colocar em prática quando estamos em tempos difíceis.
Pude aprender algo mais importante: Deus cuida de forma especial de nós nestes momentos. Lembro que éramos um dos poucos na cidade a ter combustível no final da crise, quando quase não haviam carros circulando. Ainda tínhamos meio tanque, por pura e exclusiva Providência Divina. Nada nos faltou.
Certa vez precisamos levar um casal amigo nosso em uma cidade próxima. Era uma tarefa difícil, pois aquele combustível faria falta para as viagens citadas no começo do post. Fizemos a viagem com o carro cheio de gente, ida e vola e o ponteiro milagrosamente não mexeu.
Esses pequenos milagres, que parecem mera coincidência quando estamos longe de Deus, é uma das maiores provas do amor Dele por nós.
Lição 3 – Manter a dispensa e o tanque de combustível sempre cheios
Na verdade, nós não temos como prever com grande antecedência ou nos preparamos de forma ideal para as crises. Tenho alguns indicadores que me ajudam a ver o tamanho do problema que está por vir, porém eles não são perfeitos e não fornecem o timing das coisas. Uma coisa é saber que vai chover nos próximos 30 dias. Outra coisa é saber que vai chover daqui a uma hora.
Alguns dos indicadores que uso em tempos de crise: cotação do dólar, índice da Bovespa (e da Down Jones), número de veículos circulando nas rodovias (da janela da minha casa consigo ver a maior rodovia do Brasil, a BR 116) e os sermões dos padres, especialmente do Papa (quando a Igreja Católica menciona algo mundano, pode esperar que o problema é grave).
Mas nada me preparou para a limpa dos postos de combustível e a correria aos supermercados. Depois disso, aprendi a gastar um pouco mais para manter a dispensa cheia para ao menos dois meses e também andar com o tanque sempre cheio de gasolina quando possível. Isso se tornou uma prioridade na nossa família.
Lembro que em uma das reuniões do nosso grupo de casais da Igreja (OVISA), comentei com uma mulher que precisava urgente fazer compra. Ela é esposa de um senhor de quase 70 anos. Tamanha foi minha surpresa quando ela disse com a maior naturalidade que seu marido fazia compras para vários meses (coisa de 3 ou 4 pacotes de arroz para um casal) frequentemente.
Sem dúvida, lição que minha geração supermercado, carro e cartão de crédito não aprendeu.
Lição 4 – Dinheiro no banco tem menos valor que dinheiro na mão
O post vai ficando longo, isso é bem desagradável para quem lê. Por isso vou encerrar nesta quarta valiosa lição.
Fomos ensinados (ao menos os mais jovens, pois muitos idosos não gostam nem de conta no banco) que o dinheiro virtual (aquele que não existe no mundo físico, mas tem a mesma força) tem o mesmo valor que o dinheiro real. Aliás, eu não lembro bem que me disse ou ensinou isso, mas quando vamos pagar por algo, ninguém recusa o pagamento por ser no cartão, e raros são aqueles que dão desconto no dinheiro.
Digamos então que existe a falsa impressão de que o dinheiro virtual, que está no banco, tem o mesmo valor que o dinheiro físico que está em nossas mãos. Pois bem, em tempos de crise, ter o dinheiro na mão faz toda a diferença.
É verdade que os bancos dificilmente fecham. Hoje em dia essa seria a crise das crises. E mesmo que viessem a fechar, poderíamos ainda utilizar os cartões e fazer transações pela internet. Porém, prevejo um tempo, e esse tempo não deve estar longe, em que poderão haver colapsos nas redes virtuais dos bancos em todo mundo.
Isso poderá acontecer por acidente, excesso de demanda, terrorismo ou guerra. Não importa. Teremos que estar preparados. Aqui aplico a lei de Murphy, que foi um cientista da Nasa que identificou uma falha grave em um sistema super confiável. Daí ele criou a máxima “se algo pode dar errado, dará”.
Não digo isso de forma pessimista, ou para alarmar as pessoas. Muito pelo contrário. Devemos ter paciência com nossas instituições, sejam bancos ou governos, pois todos estão propensos a falhas, e falhas graves. Nossa tarefa é estarmos preparados. Não podemos fingir que o problema não é conosco. Os bancos e os governos não são responsáveis por nossos hábitos financeiros.
De alguma forma, essa crise gerada pela greve dos caminhoneiros me levou a refletir sobre isso. Um tempo onde não poderemos contar com nossas contas bancárias e teremos que nos virar com o dinheiro em espécie que tivermos ao alcance. Comecei a dar mais valor para o dinheiro físico. Houve um tempo pagava 90% dos gastos com cartão.
Se preparar para essa realidade não é fácil. Não podemos do dia para a noite parar de usar os bancos, isso seria ilógico. Mas agora utilizo tanto dinheiro como cartão. Basicamente hoje no mês, gasto metade em espécie e metade em cartão. A meta é chegar aos 80% dos gastos em dinheiro e usar o cartão apenas para sacar o dinheiro que vou usar no mês.
E claro, ter uma reserva de dinheiro em casa é importante. Diria que ao menos um mês de sobrevivência da família. Não faz sentido guardar rios de dinheiro em casa, afinal isso diminui a segurança do lar. Porém, ter uma reserva para emergência, de um ou dois meses, em espécie, agora me parece sábio.