O fim do programador e a inteligência artificial: como superar esse paradigma

Cresce a cada dia a ideia fixa de que a inteligência artificial irá substituir os mais variados tipos de profissionais em uma velocidade aterrorizante, a ponto de causar um desastre no mercado de empregos em cinco ou dez anos, no mais tardar em duas décadas. Autoridades, especialistas, bilionários … enfim, todos são praticamente unânimes: a inteligência artificial irá tornar obsoleto um grande número de postos de trabalhos.

Não estou apto a discutir essa questão a fundo, pois ao meu ver ela envolve muito mais do que o ponto de vista tecnológico. Temos aqui um problema de grande complexidade, envolvendo as mais diversas áreas do conhecimento humano, como a social, a filosófica, a política, a psicológica, e muitas outras.

Quando vemos um ChatGPT ou um GitHub Copilot da vida, é fácil imaginar que daqui a pouco todo mundo, desde um médico ou dentista até um professor na sala de aula, terá um bot em seu computador lhe substituindo na prática profissional diária. A forma como esses softwares trabalham (juntamente com uma infinidade de clips editados de forma acelerada que tornam a coisa toda ainda mais assustadora) causa uma impressão forte numa mente fraca e despreparada, alimentada por muitos anos com filmes e literatura dita ficção científica, mas que não tem nada de científica.

Felizmente, a realidade não costuma ser tão simples.

Portanto vamos nos ater aqui a analisar apenas uma profissão, a minha: programador. Programador pode ser considerado uma habilidade, não apenas uma profissão. Ela existe, porém raramente um profissional é apenas programador; geralmente é um desenvolvedor de software, capaz de muito mais do que apenas programar.

Porém para facilitar a visualização desta questão complexa, vamos considerar que um programador é um profissional capaz de produzir apenas código de computador.

Inteligência Artificial vs Aprendizagem de Máquina

Um programa de computador é muito mais do que um conjunto de linhas bem estruturadas de códigos. Na verdade, o código é um conjunto de palavras ditas a uma máquina. Palavras tem poder. Esse conjunto de palavras reflete um pensamento, uma ideia. E ideais são abstrações do mundo real, ou seja, representações da realidade ao nosso entorno.

A máquina consegue produzir bons códigos, mas não boas ideias, pois boas ideias são reflexos de bons pensamentos, e uma máquina nunca poderá pensar. Essa é uma faculdade da inteligência da alma, e não do cérebro natural propriamente.

Essa é a verdadeira inteligência, por isso penso que a palavra Inteligência Artificial é falsa. Ela não reflete a verdade. Aprendizagem de Máquina (Machine Learning), ao meu ver, é muito mais coerente.

Essa definição apenas já elimina metade do monstro: afinal, até um macaco é capaz de aprender alguma coisa, e, no entanto, não tememos uma rebelião mundial onde todos os macacos se unem para destruir a humanidade. Por outro lado, se uma raça de macacos verdadeiramente inteligente fosse descoberta, daqueles capazes de criar coisas novas (como um tipo de arma nunca vista), certamente haveria pânico na humanidade.

E é exatamente este pânico que vejo no momento: um medo sem sentido de algo que ainda nem se concretizou. Não reprovo a elegância dessas novas ferramentas (pseudo)inteligentes. Realmente elas tem algo inovador (embora não necessariamente novo). Elas podem sim, revolucionar o mercado e mudar muitas vidas para melhor ou para pior. Mas certamente, não da forma alarmista e destruidora, pessimista e negativa que estamos vendo. Para que isso acontecesse, nós teríamos que dar esse poder a elas. E infelizmente, é o que estamos fazendo.

A possibilidade de hype

Essa comoção toda, essas apelações aos governos para que tomem decisões, todos esses artigos e previsões parecem um hype. Não temos uma tradução exata para essa palavra em português, mas no inglês ela denota uma forma extravagante de promover uma ideia, um tipo de publicidade que busca tornar algo muito maior do que verdadeiramente é.

Já faz tempo que o mercado de ações e os grandes donos do capital pararam de precificar as empresas com base em seus ativos reais: ao invés disto, o que vemos é um mercado movido a previsões e tendências. Talvez isso explique porque tantos bilionários estão envolvidos neste possível hype.

Muitas startups terão que surgir a partir desta nova indústria, e muitas empresas, supostamente não inovadoras por não adotarem a última palavra em tecnologia de Inteligência Artificial, terão que desaparecer. O terreno já vai sendo preparado para que aqueles que se recusarem a embarcar na nova onda, já estejam atrás em quesitos importantes: a credibilidade e consequentemente, no capital.

O mercado

Quando dizemos sobre reposição de programadores no mercado de trabalho pela Inteligência Artificial, sempre pensamos em termos de uma inteligência falsa, incapaz de soluções verdadeiramente novas para os problemas que enfrentamos todos os dias sem um cérebro humano por trás dela.

Uma máquina é capaz de produzir a melhor a solução, mas para que ela produza, a solução precisa existir no mundo real primeiro. Ou seja, o CoPilot, que no futuro será o Pilot, sempre precisará de uma entrada para produzir uma saída. A saída neste caso é o software, mas a entrada terá que ser necessariamente um problema humano bem pensado e desenvolvido. E mais ainda, bem comunicado, pois a linguagem humana sempre será superior a linguagem de máquina.

A máquina nunca será capaz de um tipo de inteligência superior, aquela de pensar do ponto de vista de um ser humano, como a empatia.

É fato que a inteligência artificial irá substituir muitos tipos de profissionais, principalmente aqueles especializados em simplesmente executar sequencias repetitivas de tarefas (como alguns estágios da programação de computadores costuma ser). Porém a máquina nunca irá substituir a capacidade humana de inovar, criar e descobrir novos caminhos.

Então pensemos, que tipo de profissional deveremos ser neste novo cenário onde a máquina fará todo o trabalho de codificação? Vejo que os desenvolvedores do futuro deverão ter uma capacidade de pensamento muito superior aos profissionais de hoje. Talvez a (boa) filosofia fará parte do curriculum de um programador em 2035, por exemplo. Terão que ser profissionais capazes de entrar a fundo nos problemas humanos (pessoais e sociais) para produzir soluções que serão interpretados e programados pela máquina. Veremos talvez uma explosão pela demanda do único, do novo, do diferente e principalmente, do belo.

Padrões e consequentemente o tipo de software que conhecemos hoje, perderão rapidamente valor. Qualquer um poderá criar um facebook ou instagram personalizados para seu projeto/organização com poucos cliques. Aquela tela de login igual em todos os sites, ou aquele cadastro chato que você faz sempre da mesma forma, aqueles aplicativos de celular sempre com a mesma cara … todos esses sistemas que hoje são moldados por padrões da indústria, talvez passem a ter pouco valor e consequentemente a demanda por profissionais que desenvolvem dessa forma também cairá.

Por isso o profissional de TI da próxima década continuará tendo um grande senso lógico, porém precisará desenvolver muito mais suas habilidades humanas. Penso que teremos muitos profissionais do tipo full stack, mas full stack business: marketeiro, analista financeiro, programador de AI (um novo termo?) e contador, por exemplo.

As startups poderão deixar de ser um empreendimento de risco e passarão a ser lugar comum em todas as corporações de médio e grande parte: pense em cargos como líder de inovação, assistente de máquina e inventor técnico, aquele cara que cria uns rabiscos geniais a partir do brainstorm da equipe e entrega para a máquina produzir.

A resposta que o mercado de trabalho dará a essas inovações dependerá de como nossa sociedade abre seus olhos para a verdade, deixa de lado o modismo e busca produzir coisas realmente de valor, e não apenas o celular X34, onde o X34 tem pouca ou nenhuma diferença real, útil do X33, porém custa o dobro do preço.

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