Relato de gravidez e parto do João Miguel

A espera de nove meses por um filho é sempre um grande desafio. Impossível passar por uma gravidez e não crescer como pessoa, na fé e na alegria. Porém, quase sempre, este desafio, com seus frutos maravilhosos, implica em sofrimento, renúncia e mudança de vida.

Descobrimos o João Miguel com grande alegria, próximo do dia de São Miguel Arcanjo em setembro de 2021. Eu e minha esposa ficamos muito felizes pois tínhamos saído de 3 abortos consecutivos ( Maria Tereza, João Batista e José). Depois desses abortos resolvemos mudar de médico, a fim de investigar melhor as causas.

Com o novo médico, descobrimos a trombofilia. Essa condição, durante a gravidez, causa inchaço, problemas de circulação e até trombose. É um grande fator de risco e sem tratamento pode levar a morte da criança e da mãe. Ficamos bem impressionados quando descobrimos, porém, com Deus, a Virgem Maria e muita oração conseguimos nos manter firmes na vontade em continuar aumentando nossa família, que já contava com a Maria Rita.

Nosso novo médico indicou um tratamento um pouco chocante inicialmente: minha esposa precisaria tomar diariamente uma injeção, a fim de evitar a formação dos trombos e melhor a circulação do sangue no corpo, a fim de evitar o aborto.

A gravidez do João Miguel começara com grandes lutas. Além do desconforto de ter que tomar uma injeção todos os dias, teríamos que desembolsar 50 reais por cada dose, ou seja, 1.500 reais por mês, sendo que vivemos em um momento financeiro muito delicado (com dívidas e muitas incertezas profissionais).

Porém nada disso foi razão para perdermos a alegria da vinda desta criança. Muito pelo contrário. Com a Graça de Deus, recebemos grandes injeções de ânimo e enfrentamos os nove meses com muita perseverança.

Deus não nos desamparou. Por alguns meses, meu pai me ajudou bastante, comprando ele mesmo as injeções. Depois de um tempo, no quinto ou sexto mês da gravidez, minha esposa se acostumou com as injeções e elas já não eram tão difíceis. Além disso, no sexto mês, conseguimos as injeções gratuitamente na rede municipal de saúde.

A Providência Divina mais uma vez, se mostrava em nosso favor.

O Primeiro Trabalho de Parto

Cada trabalho de parto, sem dúvida, possui suas peculiaridades. No primeiro parto, da Maria Rita, tudo foi muito rápido e previsível. Agora, no João Miguel, as coisas começaram bem devagar.

O primeiro sinal do trabalho de parto começou uma semana antes. Estávamos na casa de um amigo quando, ao ir ao banheiro, minha esposa notou uma coloração diferente, remetendo à perda do tampão mucoso. Como estávamos em Cruzeiro e residimos em Queluz, imediatamente fizemos a viagem de volta para casa. Depois de esperar algumas horas em casa, tomamos a decisão de ir para o hospital, pois além do muco haviam muitas contrações, embora não muito ritmadas.

Viajamos novamente para Cruzeiro para dar entrada no Hospital (Santa Casa da Misericórdia). Ao chegar lá, por volta das 23 horas, a médica de plantão examinou minha esposa e disse que possivelmente o tampão havia se rompido, verificando 3 cm de dilatação.

Fizemos a internação. Durante toda a noite ela passou com muitas dores, mas o trabalho de parto não progredia. Depois de um tempo, a médica decidiu entrar com soro (ocitocina) para provocar ainda mais dor e quem sabe, estimular o trabalho de parto. Porém essa técnica também não funcionou.

O dia seguinte seria um dos dias mais difíceis de nossa vida. Durante todo o dia, minha esposa ficou no soro sentindo dores constantes, sem progressão no trabalho de parto. E durante todo o dia, tivemos que acompanhar muitas mulheres entrando e saindo para dar à luz, processo realmente estressante que estava levando minha esposa ao esgotamento.

No fim da noite do segundo dia, houve um incidente que nos deixou muito nervosos. Uma mulher entrou para dar a luz, porém sem preparo psicológico e o acompanhamento devido (ela mesmo havia proibido o marido de a acompanhar), entrou num estado de agonia, provocando um escândalo fora do comum.

E o nosso trabalho de parto parado. No fim desta noite, depois de praticamente 24 horas sentindo dores e com estresse psicológico do local, conversamos com a médica e pedimos alta. Ela se recusou, informando que seria muito arriscado. Após dizer que iria assumir todos os riscos ou transferir ela para um hotel ou quarto particular do hospital, ela nos transferiu para uma ala mais tranquila, num quarto sozinhos, onde minha esposa finalmente pode descansar.

O fato curioso é que ela apresentava sinais claros de trabalho de parto, mas este estava simplesmente parado. Pedimos muitas orações para nossos amigos, e nós mesmo estávamos em constante oração. Entretanto, fomos notando que a vontade de Deus era que tivéssemos paciência, mesmo naquele estado.

Finalmente, no terceiro dia, uma excelente médica assumiu o plantão, examinou minha esposa e decretou o absurdo que havia acontecido com ela nos últimos dias, pois não deveria ter sido submetida a tanto sofrimento. Assinou a alta e nos mandou para casa. Sim, fomos para casa meio que em trabalho de parto.

Olhando com calma os eventos agora (escrevo esse post quatro meses depois), vejo que as duas primeiras médicas tomaram decisões erradas sim, porém com base em evidências que não eram claras. Depois as coisas vão ficando mais claras, mas na hora que demos entrada, realmente tudo indicava que era o dia do João Miguel vir ao mundo, especialmente devido ao histórico de parto rápido de minha esposa. Portanto não condeno aqueles médicos como os médicos posteriores condenaram.

Mas reconheço também que as médicas que atenderam a Raquel posteriormente, eram muito superiores. Elas tinham uma noção profunda da humanidade da minha mulher, tinham empatia e pensavam em várias dimensões, diferente das primeiras médicas que, aparentemente, viam apenas um conjunto de células e órgãos tentando expulsar um feto.

O Segundo Trabalho de Parto

Depois disso, o trabalho de parto parou de vez. A dilatação continuou igual (2 ou 3 cm) e as contrações iam e vinham. Mas, uma semana depois após a alta do hospital, as 15 horas da tarde (hora da Misericórdia), novas contrações começaram, desta vez com muito ritmo e intensidade.

Demos entrada no mesmo hospital e fiz a internação. Passamos praticamente o resto do dia e o restante da noite, até as 23 horas do dia 22 de julho, no soro tentando estimular o trabalho de parto. Mas este, mais uma vez, claramente estava parado.

Era como se chegasse a um determinado estágio e dali não passasse. Desta vez, porém, mas coisas foram diferentes. Por volta das 23:30 da noite, ao fazer o cardiotoco (exame para ver os batimentos cardíacos do bebê), a enfermeira notou batimentos inconstantes. João Miguel estava sofrendo. A médica de plantão (a mesma que havia dado alta para ela na semana anterior), mandou-a imediatamente para a cesária. Realmente foi muito rápido, em quinze minutos minha esposa estava pronta para ser operada.

Eu fui convidado a assistir todo o processo. Infelizmente, não foi nada bonito, como havia sido o parto normal da Maria Rita. Na cesárea, o médico faz um corte profundo e depois separa as vísceras da mulher para poder retirar o bebê. Quando vi minha esposa estava lá, toda aberta.

Quando a médica tentou tirar o João Miguel, não consegui. Ele simplesmente estava preso e muito escorregadio, pelo que pude verificar. Silêncio total entre toda a equipe. Notei que aquilo não era normal. A médica tentou mais três vezes, e em todas ele voltava para dentro. Aquilo que durou uma eternidade para todos, não deve ter passado de dez minutos.

Na quinta ou sexta vez, a criança já estava sem dar sinais de vida. Mole e desacordada. A médica cortou ainda mais a barriga e com a ajuda de um ferro (tipo um forceps), conseguiu tirar o Jõao Miguel. Foi bem triste ver meu filho nascer “morto”.

Rolar para cima